“Choro de alívio”, é o que declara Rafaela Maria, após a decisão que vai levar a júri popular o médico Erivelton Teixeira (PL), atual prefeito de Carolina, e o vereador Lindomar da Silva Nascimento (PL).
Ambos são acusados por Rafaela de realizarem um aborto contra ela, à força, em 2017, dentro de um motel de Augutinópolis, no Bico do Papagaio. Ainda cabe recurso da decisão e o g1 entrou em contato com Erivelton e Lindomar, mas ainda não houve retorno.
“Quando eu recebi a notícia que iríamos a júri popular eu simplesmente comecei a chorar, foi um choro de alívio que estava preso há 7 anos. [….] Tô confiante e com a certeza que esse crime não ficará impune”, contou Rafaela, ao g1.
Desde que o momento em que denunciou o caso, Rafaela, de 35 anos, conta que passou a receber comentários maldosos em diversas esferas, inclusive nas redes sociais. Atualmente, ela mora em outro país e faz tratamento psicológico por todo o trauma que passou.
“Desde que meu caso começou a repercutir minha saúde psicológica piorou um pouco, mais eu percebi a importância e a necessidade da mídia. Depois dessa exposição, toda as coisas começaram a fluir e hoje já estou com o psicológico mais preparado pra tudo isso. […] Eu ainda estou no exterior, faço tratamento psiquiátrico, mas depois dessa notícia [do júri popular] eu tive uma noite de sono que fazia muito tempo que eu não tinha”
Rafaela conta ainda como tem sido os últimos anos com a dor de perder um filho, já que ela nunca cogitou a ideia de abortar, que considerava um erro.
“O filho que eu estava esperando, independentemente de ter ajuda do pai ou não, eu teria essa criança e criaria igual. O crime que ele [Erivelton] praticou contra mim e contra nosso filho me afeta até hoje. Me dói muito e é uma ferida que não deixa de sangrar”, revela Rafaela.
Decisão da Justiça
Na decisão de quarta-feira (19), o juiz da 2ª Vara de Augustinópolis, Alan Ide Ribeiro da Silva, concluiu que há indícios de participação de Erivelton Teixeira Neves (PL) e o vereador Lindomar da Silva Nascimento (PL) no aborto ocorrido.
Para o juiz, a materialidade e a autoria do crime estão comprovadas em um inquérito policial de 2019. A investigação policial possui entre as provas um exame Beta HCG que atesta a gravidez da vítima, além de depoimentos de testemunhas do caso.
O documento cita que os próprios réus confirmaram que estavam na cidade e viram a vítima com sangramento na região da vagina, mas que não a ajudaram, apenas a levaram para o hospital.
No Inquérito Policial há documento que comprova que a vítima estava grávida. E é notório que a vítima perdeu esse ser”, afirma a decisão.
Na mesma sentença, a Justiça pede a apuração de possível crime por parte dos advogados de um dos réus e determina o envio do material ao Tribunal de Ética da OAB/TO para apurar possível infração disciplinar.
Erivelton e Rafaela tinham um relacionamento, que terminou após o aborto
Conforme a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) e da Polícia Civil, aceita pela Justiça do Tocantins, a vítima e Erivelton tinham um relacionamento amoroso com idas e vindas, principalmente quando ela descobriu que ele era casado.
“Iniciamos o relacionamento em 2010 e ficamos durante três anos. Foi quando eu descobrir que ele era casado, então me separei dele. Depois de um tempo, conheci outra pessoa e, quando nos separamos, Erivelton voltou a entrar em contato comigo e aí foi quando reatamos. Terminamos novamente quando ele fez a aborto em mim”, relatou Rafaela, ao g1.
O juiz também decidiu enviar a documentação para a Comissão da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil Nacional, “para que a vítima possa ser assessorada, em vista a tutelar seus interesses relacionados à sua honra que entender cabíveis diante das condutas observadas”.
Após o aborto, Rafaela denunciou o caso à polícia e, segundo ela, passou a ser perseguida com fake news e ameaçada. Atualmente, ela mora fora do país, como medida de segurança.
“Me senti um lixo, destroçada, me senti humilhada e enganada. Cheguei a sentir raiva de mim mesma por ter confiado nele e fiquei muito mal”, afirma.
Erivelton e Lindomar foram eleitos após o crime, segundo Rafaela
Quem também virou réu no crime é Lindomar da Silva Nascimento (PL), que teria participado do aborto. Atualmente, Lindomar é vereador em Carolina e na época trabalhava como motorista de Erivelton. Rafaela guarda mágoas até hoje de como ele se ‘deu bem’, mesmo após o caso.
“Erivelton foi reeleito mesmo depois da história sair em alguns lugares. Eu sempre saí como a mentirosa e oportunista. Agora eu moro fora do país porque, no Brasil, eu já não estava segura. […] A minha revolta em relação ao Lindomar, foi ele ter crescido na vida a custa da cumplicidade dele nesse crime. Lindomar era motorista do Erivelton e, pouco tempo depois, ganhou uma secretaria na Prefeitura e hoje é vereador”.
O que aconteceu no dia do crime
No dia 2 de março de 2017, por volta das 11h, Erivelton teria buscado a mulher em casa e disse que faria um exame com um aparelho de ultrassonografia portátil. Eles seguiram para o motel de Augustinópolis.
No local, ele pegou uma maleta e disse que tiraria sangue de Rafaela para a realização de exames. Porém, ele injetou um sedativo. Ela perdeu a consciência e ele fez o procedimento de curetagem com a ajuda de Lindomar.
No fim da tarde, eles teriam deixado a vítima em casa, sozinha, mesmo estando com a saúde debilitada por causa do procedimento.
No inquérito policial sobre o caso, que o Jornal do Tocantins teve acesso, há prints de mensagens trocadas entre a vítima e o vereador Lindomar por meio de um aplicativo de mensagens, logo após ser deixada em casa. Aparentemente ela teve resposta do médico e pedia ajuda para Lindomar, que mediava o contato entre eles.
Rafaela cita na conversa que ele fez o aborto sem o consentimento dela e que estava sentindo muita dor e com medo. Lindomar teria dado orientações sobre medicação e alimentação e que não era para a vítima se preocupar, pois os sintomas eram ‘normais’, segundo informação do Erivelton.
O juiz Alan Ide Ribeiro da Silva, da 2º Escrivania de Augustinópolis aceitou a denúncia no dia 20 de abril e os suspeitos respondem pelo crime de provocar aborto sem o consentimento da gestante. A pena pode variar de três a dez anos de prisão.